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Play

textos "Passos", "Acto sem Palavras II", "Play" e "Catástrofe"
de Samuel Beckett


estreia em 8 de Junho de 2006

Oficina Municipal do Teatro

total de espectáculos - 24
total de espectadores - 683



37ª produção - A Escola da Noite©Junho2006

Ficha Técnica:
•••Tradução e Encenação: Sofia Lobo.
•••Elenco:
•••••••••Passos May > Sílvia Brito; Voz de mulher > Sofia Lobo
•••••••••Acto sem Palavras II A > Carlos Marques; B > Ricardo Correia
•••••••••Play H > António Jorge; M1 > Sílvia Brito; M2 > Maria João Robalo; Projector > Danilo Pinto
•••••••••Catástrofe Encenador > António Jorge; Assistente > Maria João Robalo; Protagonista > Carlos Marques;
••••••••••••••••••••••••Luke > Ricardo Correia
•••Cenografia e adereços: António Jorge.
•••Figurinos: Ana Rosa Assunção.
•••Desenho de luz: Jorge Ribeiro.
•••Banda Sonora: Sílvia Brito.
•••Operação de luz: Danilo Pinto.
•••Operação de som: Rui Simão.
•••Direcção de montagem: Rui Valente.
•••Montagem: Alfredo Santos, Carlos Figueiredo, Danilo Pinto e Rui Simão.
•••Execução de elementos cenográficos: Alfredo Santos, António Jorge, Armando Fernandes, Carlos Figueiredo,
••••••••••••••••••Elsa Rajado e Maria João Robalo.
•••Execução de Figurinos: Ana Rosa Assunção e Maria do Céu Simões.
•••Fotografia: Augusto Baptista.
•••Estagiário na área do som: Pedro Oliveira.
play
Justificação

Ousar traduzir Beckett veio com o fascínio cada dia maior pelas suas palavras, os seus silêncios, as suas personagens solitárias, pelo prazer de as ler, de as dizer devagar, até que o Português se tornou um imperativo. Tentar fazer com que aquelas palavras (duplamente criadas, ora em Inglês ora em Francês) fossem, mais do que escritas, ditas alto n’A Escola da Noite levou-me à tradução.
Não é a primeira vez que trabalhamos Beckett. Já lá vão dez anos desde então. Nessa altura, o espectáculo (Beckett — 1ª Jornada, encenação de António Augusto Barros) integrava-se numa iniciativa a que démos o nome de “Pequenos Cartões de Visita”, convites para um novo espaço, o do Pátio da Inquisição. Prometeram-nos que voltaríamos para lá, até se construiu um Teatro. Construiu-se porque nós existimos, porque justificámos que ele existisse também.
Pensámos então em novos cartões de visita, cada um de nós n’A Escola da Noite dirigiria um. O meu era Play, do Sr. Samuel. Entre várias peças curtas, começara eu a avançar mais na tradução desta. Interessou-me o rigor da proposta formal, a partir de uma história de todos os dias, a de um triângulo amoroso. Interessou-me a musicalidade das palavras, o constrangimento a que Beckett obrigava os actores, a impossibilidade de movimento, a rapidez e prontidão com que pretendia o texto. Interessou-me o rigor técnico, a luz, esse agente externo que leva à acção, neste caso à palavra, para dar voz à memória, que infinitamente se repisa. Interessou-me a solidão das personagens, a obsessão das mentes, qual condenação, a necessidade de reconhecimento das suas almas, de comunicação, por fim de descanso, de paz.
Mas nós continuamos do lado de fora do Teatro. E a iniciativa prevista deixou de fazer sentido. Mas dez anos sem trabalhar Beckett era realmente demais e porque Play é uma peça com uma duração de cerca de 20 minutos, tratava-se então de fazer um guião, de estudar (e traduzir) peças que fizessem sentido juntas. As peças que agora apresentamos, colhidas numa fase tardia da obra de Beckett, dão-nos conta do peso determinante dos estímulos exteriores a nós próprios na condução da vida humana, do tal repisar sem fim, da vida que é sempre em frente, para onde quer que sigamos, do círculo eterno, da repetição da nossa existência. Entre o nascimento e a morte, dois sopros, tudo pode acontecer, ou nada. E depois de nós virão outros, que ocuparão o nosso lugar, ou não.
Num mundo em que imperam os fortes, um senhor com S grande focalizou a atenção do seu acto criador na essência do ser humano, no fio da nossa existência. O tempo fez com que Beckett procurasse de uma forma cada vez mais obsessiva explicitar cada vez menos, mostrar mais do que contar. As personagens dos seus textos mais tardios, no teatro mas também nos romances ou novelas, são personagens que revelam um grande estoicismo, aprisionadas no escuro e numa mente sem descanso, de onde não podem sair, incapazes de porem fim à angústia em que se encontram, de lhe encontrarem um sentido. São seres despojados, limitados na utilização dos seus sentidos, são seres fragmentados, fragilizados, são farrapos de existência. Sabemos que Passos surgiu a Beckett por um som, o som de passos, o som de uma alma atormentada que caminha sem descanso, tal como Play lhe surgiu por uma imagem, a de três cabeças a sairem de caixas brancas. As palavras que lhes pôs na boca vieram depois e, realmente, são menos importantes do que a imagem entretanto criada. Mas essas palavras são aquelas e não outras, são palavras essenciais, as únicas que podem ser ditas.
Se somos no universo cada um um grão de pó, os actores que somos, enquanto representantes da condição humana, só podem sair enriquecidos na abordagem destas personagens. Há quem diga que representar Beckett é não representar, é estar. A mim, pelo contrário, parece-me que se trata de um trabalho exigentíssimo. Privado dos seus habituais meios de expresssão, o actor tem de saber utilizar os seus recursos de uma forma absolutamente contida e precisa. Corporizar estas personagens, dar-lhes voz, é estar preparado para partir do silêncio, do nada, e, no momento certo, procurar dizer aquela palavra, a única, aquele som, fazer aquele movimento. São quase nada e, no entanto, talvez por isso mesmo, são tanto, são tudo. “A tendência artística não é expansiva, mas uma contracção” dizia já em 1931 Beckett no seu ensaio sobre Proust.
O espaço de representação é exíguo, uns metros — centímetros? — de tábuas, um espaço suspenso, que pode ser em lado nenhum, ou em qualquer lado do mundo, um tabuleiro de xadrez onde o tal senhor colocou as suas peças para que se dê lugar ao jogo, à representação, à vida. O tempo é também ele suspenso, pode ser qualquer um, para além do tempo específico em que testemunhamos a existência das personagens no palco, confinadas àquela realidade, à sua condição humana.
Escolher estas peças implicou que outras ficassem de fora. Custou-me, como me custa quase sempre escolher, quando o que está em jogo é uma tal matéria. E agora que partiremos já para outro universo, como é da nossa razão de existir, já tenho saudades destas palavras.
Resta-me dizer que este trabalho decorre do trabalho continuado de uma companhia de teatro que tem já catorze anos, decorre do conhecimento que vamos construindo do trabalho uns dos outros, da evolução de cada um de nós enquanto seres de teatro, da minha e da de cada um, que se vive ali ao meu lado, nas mesmas tábuas, decorre da observação das minhas dificuldades nas suas dificuldades, de ser mais fácil ver nos outros, de querer intervir aqui e ali, como que procurando resolver os meus problemas de actriz nos problemas de cada um. Este trabalho aconteceu porque partilhámos nas tábuas o empenhamento nestas palavras únicas e na construção (representação) destes seres esfarrapados.
Trata-se de procurar mostrar a solidão. A solidão das personagens, a solidão do actor no momento oficioso da representação, a solidão do ser humano entre os tais dois sopros da sua existência.


Sofia Lobo
in programa do espectáculo. Saiba mais sobre os conteúdos do programa aqui.


Sobre este espectáculo:

•••um voo cego a nada - the aristocrats+play
•••••Innersmile


•••» play Beckett
•••••Bloodfinger


•••Sábado à noite: A Escola da Noite
•••••Coimbra é nossa


•••Palavras
•••••Ciberpalheiro



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