esp. público
Instalação d'A Escola da Noite no Teatro da Cerca de São Bernardo
Conferência de imprensa

15 de Outubro de 2007, 11:00h, Oficina Municipal do Teatro


Em resposta ao esclarecimento público feito pel'A Escola da Noite na passada semana, o Vereador da Cultura da Câmara Municipal de Coimbra veio afirmar, em declarações ao Público e ao Jornal de Notícias, que a companhia não tinha afinal aceitado todas as condições impostas pela CMC para que esta viabilizasse a sua mudança para o Teatro da Cerca de São Bernardo. Fala na existência de “apenas um protocolo” e afirma: “não podem aceitar a parte da residência e não aceitar a gestão. Têm que aceitar por completo aquilo que formulámos e que agora tentam dividir”.

Absurdas e contraditórias, estas afirmações motivam-nos os seguintes esclarecimentos:

1. Em Outubro de 2006 e em Maio de 2007, a Câmara Municipal de Coimbra fez-nos chegar as propostas de 2 (DOIS) protocolos: o Protocolo de Residência (ou de “apoio à criação artística”) e o Protocolo de Gestão do Teatro da Cerca de São Bernardo.

2. Os protocolos têm objectos e atribuições de responsabilidades completamente distintas, conforme explicitamos no quadro-resumo em anexo.

3. O protocolo de residência atribui-nos o direito de ensaiar e apresentar os nossos espectáculos no Teatro (disponibilizando-nos a sala principal durante 32 semanas por ano) e propõe-se enquadrar o apoio financeiro atribuído anualmente pela Câmara Municipal desde 1995.

4. O protocolo de gestão convida-nos a acumular com a residência as tarefas de gestão do teatro, incluindo a programação de espectáculos e outras iniciativas externas nas restantes 20 semanas por ano. Competir-nos-ia elaborar e concretizar essa programação, prestando todos os serviços de produção, divulgação e assistência técnica na montagem e apresentação dos espectáculos nela incluídos. Competir-nos-ia custear, sem qualquer comparticipação autárquica, todas as despesas inerentes a essas funções:

•••••factura energética;
•••••reforço de pessoal da companhia (indispensável para acorrer às necessidades técnicas e de acolhimento do público;
•••••cachês de espectáculos;
•••••divulgação.

5. Em nenhum momento nos foi transmitido que os dois protocolos eram mutuamente dependentes ou que só poderiam ser assinados em conjunto, nem isso faria qualquer sentido, dadas as especificidades das matérias a que dizem respeito.

6. A Câmara reconheceu essas especificidades, ao apresentar-nos, ela própria, dois protocolos distintos. Se pretendia misturar as funções, por que não elaborou um só documento?

7. Os dois protocolos têm inclusivamente, na proposta da Câmara, prazos de vigência distintos – 4 anos para o protocolo de residência e 3 anos para o de gestão. Como se pode afirmar que um não funciona sem o outro, se desde o início essa possibilidade está prevista nos documentos redigidos pela própria autarquia?

8. Como se poderia admitir, de resto, que a CMC quisesse obrigar-nos a assumir a gestão do Teatro? Como pode um contrato deste tipo assentar numa qualquer forma de coacção, sem a vontade expressa de ambas as partes?

9. O protocolo de residência configura um apoio da CMC à nossa actividade, cedendo-nos um espaço para trabalhar e definindo uma verba financeira a transferir anualmente. Independentemente das condições e dos montantes em causa nesta situação concreta, trata-se de um tipo de acordo normal entre autarquias e agentes culturais, enquadrado no âmbito das competências das Câmaras Municipais e destinado a possibilitar a fixação de estruturas profissionais de criação artística nos seus concelhos. A Escola da Noite aceitou este protocolo sem impor nenhuma condição.

10. O protocolo de gestão diz respeito à prestação de um conjunto de serviços especializados nas áreas da administração, produção e técnica teatral, realmente exigíveis a um espaço com as características do Teatro da Cerca de São Bernardo. O que é paradoxal é que A Escola da Noite sempre se mostrou interessada em assumir estas funções, encarando-as como um estimulante desafio e como a melhor solução para o funcionamento integrado deste equipamento. Foi pois com grande desapontamento que nos vimos impedidos de as realizar e que fomos forçados a recusar assinar este segundo protocolo.

11. Mostrámo-nos de tal forma empenhados em viabilizar esta possibilidade que nos disponibilizámos para o fazer gratuitamente, sem qualquer comparticipação financeira da autarquia, assumindo todos os riscos de ir, por conta própria, encontrar os financiamentos necessários para pagar cachês de espectáculos, despesas logísticas e de divulgação, pessoal técnico e de produção, pessoal para a bilheteira e frente de casa, etc. Na fase final das “negociações” pedíamos apenas o mínimo: que a CMC custeasse as despesas com a energia e que pudéssemos utilizar o único espaço de escritório do Teatro (essencial para o desempenho destas funções), em vez de este ficar reservado a um conjunto de fiscais da nossa actividade designados pela autarquia.

12. A CMC tem obviamente toda a liberdade para não aceitar as nossas condições. Mas não é sério nem legítimo, dada a natureza do que está em causa, referir-se a elas como “exigências”.

13. Como não é legítimo impor-nos a aceitação deste protocolo enquanto contra-partida para o apoio à nossa actividade previsto no protocolo de residência. A confirmar-se, tal posição configuraria uma bizarra inversão do relacionamento entre autarquias e companhias de teatro. Em vez de ser a Câmara a apoiar o nosso trabalho, passaríamos a ser nós a financiar o funcionamento de um Teatro Municipal.

14. Por outro lado, esta insistência da Câmara para que aceitemos assumir a gestão do Teatro é contraditória com o que tem sido a sua prática corrente nos últimos meses. Ao mesmo tempo que “negociava” connosco e adiava sucessivamente a sua entrega, com o argumento de que havia ainda obras a fazer, a CMC assumiu a sua gestão e continua a programar o Teatro, de uma forma cada vez mais intensa:

•••••realizando uma programação ao longo dos dois últimos anos que o próprio Vereador considera “elucidativa de como vai ter sequência” (Diário de Coimbra, 28/07/2007);
•••••continuando a agendar espectáculos para os próximos meses, mesmo afirmando que o Teatro só estará pronto em Dezembro;
•••••convidando outros grupos da cidade para trabalhar no Teatro e utilizar o seu equipamento;
•••••assumindo-se ela própria, oficialmente e através do Vereador da Cultura, como “responsável pela programação” (ver, por exemplo, a ficha de inscrição do Teatro no Programa TerritórioArtes);
•••••distribuindo o Teatro a retalho e assumindo compromissos com outras instituições que tornam inviável o cumprimento do protocolo que nos propôs – é disto exemplo o protocolo para alojar a AFERM na Casa do Actor Convidado (Diário As Beiras, 30/08/2007).

15. No emaranhado de contradições em que se enredou (num dia diz que as negociações “estão paradas”, no dia seguinte diz que o diálogo está a ser “frutuoso”), o Vereador da Cultura tenta mais uma vez baralhar a opinião pública para encobrir a incompetência, a má-fé e as reais intenções da autarquia em todo este processo.

16. Em conclusão, afirmamos:
O Teatro foi construído para criar instalações adequadas para A Escola da Noite e nós aceitámos as condições impostas pela autarquia para que o pudéssemos utilizar. Não há nenhuma razão para que o protocolo de residência redigido pela própria autarquia não seja assinado de imediato e é isso que uma vez mais voltamos a exigir.
Não querendo aceitar as condições que consideramos indispensáveis para podermos assumir as tarefas de gestão e programação, pode a Câmara Municipal encontrar a solução alternativa que entender mais conveniente e adequada aos interesses do Teatro; não pode é obrigar-nos a aceitar uma responsabilidade para a qual não temos sequer os recursos financeiros necessários.


A Escola da Noite
Coimbra, 15 de Outubro de 2007.